TEATRO E SEU ESPAÇO – PETER BROOK IV

TEATRO IMEDIATO:

No ensaio, a altura de uma cadeira, a textura de um figurino, o brilho da luz, a qualidade da emoção são importantes o tempo todo: A ESTÉTICA É PRÁTICA. E seria errado dizer isto é assim porque o teatro é uma arte. O palco é um reflexo da vida, mas esta vida não pode ser revivida nem por um momento sem um sistema de trabalho baseado na OBSERVAÇÃO de certos valores e na elaboração de um juízo de valor. Uma cadeira é deslocada para frente ou para trás do palco porque <é melhor assim> as palavras melhor, pior, sofrível, ruim, são tão cotidianas, mas essas palavras, que governam as decisões, não comportam nenhum juízo moral. O cinema projeta numa tela de imagens do passado, trata-se de uma extensão agradável e divertida da irrealidade da percepção cotidiana. O teatro, por outro lado, sempre se afirma no presente. É isto que pode torná-lo mais real do que o fluxo normal de consciência. E também isto que pode torná-lo tão perturbador.

(…) Mas nem tudo é movimentado, nem tudo é destruição, nem tudo é inquietação, nem tudo é moda. Há pilastras sólidas. Estes são momentos de plena realização que ocorrem, de repente, em qualquer lugar; os espetáculos, as ocasiões em que, coletivamente, uma experiência total, um teatro total envolvendo peça e espectador tornam absurdas quaisquer divisões como MORTO, RÚSTICO, SAGRADO. Nestes raros momentos, o teatro da exuberância, da celebração, o teatro da exploração, o teatro do sentido compartilhado, o teatro vivo, são todos um só. Mas, uma vez passado, o momento se vai e não pode ser recuperado por meio de imitações – o morto se insinua de novo, a busca recomeça.

(…) Qualquer ator no seu camarim, depois de representar um papel tremendo, aterrador, está descontraído e cheio de vida. É como se a passagem de emoções fortes através de alguém em grande atividade física fosse muito sadia. Creio que é bom para um homem ser maestro, ser ator: como profissão chegam à velhice de maneira ativa. Mas também acho que isso tem um preço. O material que se usa para criar essas pessoas imaginárias que se compram e se jogam fora como um par de luvas é sua própria carne e sangue. O ator dá de si mesmo o tempo todo.

(…) Répétition, representation, assistence. As palavras funcionam igualmente bem em inglês. Mas em geral falamos de ensaio: répétiton, dizem os franceses, e sua palavra evoca o lado mecânico do processo semanas após semanas, dia após dia, hora após hora, a prática faz a perfeição. É uma fadiga, um esforço, é disciplina, é uma ação maçante que leva a um bom resultado. Como sabe qualquer atleta, a repetição acaba causando mudança: sujeita a um objetivo, impulsionada por um desejo, a repetição é criativa. Com essa “assistência”, a assistence de olhos e concentração, desejos e divertimento, a repetição se transforma em representação. Então a palavra representação não mais separa ator e platéia, espetáculo e público, ela os envolve, o que está presente para um está presente para o outro. O público também passou por uma mudança. Veio de uma vida fora-do-teatro que é essencialmente repetitiva, para uma arena especial na qual cada momento é vivido mais clara e intensamente. O público assiste ao ator e, ao mesmo tempo, para o próprio público, a assistence retorna ao palco. Repetição, representação, assistência. Essas palavras resumem os três elementos, cada um é indispensável para que o acontecimento adquira vida. Mas, a essência ainda falta. Pois qualquer das três palavras são estáticas, qualquer fórmula é inevitavelmente uma tentativa de captar uma verdade para sempre. E a verdade no teatro está sempre em mudança. (…) É sempre possível recomeçar. Na vida isto é um mito. Nunca podemos voltar atrás de nada. Folhas novas nunca retornam, relógios nunca andam pra trás, nunca podemos ter uma segunda chance. No teatro é possível passar a borracha e começar de novo o tempo todo. Quando somos persuadidos a acreditar nessa verdade, então o teatro e vida são uma coisa só. Este é o objetivo elevado. Evoca um trabalho árduo. Representar exige muito trabalho, mas quando experimentamos o trabalho como brincadeira, então ele deixa de ser trabalho.

A play is play, uma peça é um jogo, representar é uma brincadeira.

RESUMO DO LIVRO “TEATRO E SEU ESPAÇO” PETER BROOK

Postado por:

Maytê Piragibe