Estar disponível às oportunidades de evolução…
TEATRO SAGRADO:
“SERÁ PORQUE ESTAMOS VIVENDO EM UMA IDADE DE IMAGENS? SERÁ MESMO QUE PRECISAMOS PASSAR POR UM PERÍODO DE SATURAÇÃO DE IMAGENS, PARA QUE RESSURJA A NECESSIDADE DA LINGUAGEM?
É muito possível, pois hoje em dia, os escritores parecem incapazes de fazer com que as idéias e imagens se choquem através de palavras com a mesma força. Os mais influentes dos escritores modernos, BRECHT, escreveu textos completos e ricos, mas a verdadeira convicção de suas peças é inseparável da imagística de suas próprias montagens. Contudo um profeta levantou a voz no deserto. Protestando contra a esterilidade do teatro na França antes da guerra, um gênio iluminado, ANTOINE ARTAUD, escreveu folhetos descrevendo, da sua imaginação e intuição, outro teatro – teatro SAGRADO no qual o centro em chamas fala através das formas que lhe são mais próximas. Um teatro funcionando como a peste, por intoxicação, por infecção, por analogia, pela mágica, no teatro no qual a peça, o próprio acontecimento está no lugar do texto.
(…) SE FALAMOS DO MAIS-QUE-LITERAL, SE POESIA SIGNIFICA AQUILO QUE MAIS SE TORNA COMPACTO, PENETRA MAIS FUNDO.
(…) A fantasia inventada pela mente tende a ser limitada. O capricho e o surrealismo do absurdo não teriam satisfeito ARTAUD mais do que a peça psicológica limitada. O que ele queria em sua busca pelo sagrado era algo absoluto: desejava um teatro que fosse um lugar sagrado, desejava que esse teatro fosse servido por um cortejo de dedicados atores e diretores devotos que criaria, a partir das próprias vísceras, uma eterna sucessão de violentas imagens cênicas, provocando explosões espontâneas de matéria humana mais poderosa do que nunca, mais ninguém reverteria ao teatro do blábláblá e da piadinha. Ele queria que o teatro contivesse tudo que geralmente é reservado ao crime e à guerra. Queria uma platéia que abandonasse todas as sua defesas, que se permitisse ser perfurada, chocada, assustada para que ao mesmo tempo ela pudesse ser injetada com uma nova poderosa carga.
(…) UM TEATRO SAGRADO NÃO SÓ APRESENTA O INVISÍVEL, MAS TAMBÉM OFERECE CONDIÇÕES QUE POSSIBILITAM A SUA PERCEPÇÃO.
(…) SAMUEL BECKETT: Não chegaremos a lugar nenhum se esperamos que suas peças nos sejam explicadas, entretanto cada uma tem uma relação conosco que não podemos negar. Se o aceitamos, o símbolo nos provoca uma grande e pensativa exclamação. (…) Quando atacamos BECKETT por pessimismo, somos nós os personagens beckettianos presos numa cena beckettiana. Quando aceitamos a afirmação de BECKETT tal como ela é, então de repente, tudo se transforma. Existe afinal outro público, que não levantam barreiras intelectuais, não se esforçam demais para analisar sua mensagem. Este público ri , grita, celebra, fica nutrido e enriquecido, com o coração mais leve, cheio de uma estranha e irracional felicidade. POESIA, NOBREZA, BELEZA, MÁGICA – de repente essas palavras suspeitas estão mais uma vez de volta ao teatro.
(…) JERZY GROTOWSKI: também tem um objetivo sagrado. O teatro é um veículo, um meio de fazer auto-estudo, auto-exploração, uma possibilidade de salvação. O ator tem a si próprio como campo de trabalho. Este campo é mais rico que do pintor, do músico, porque para explorá-lo é preciso usar cada aspecto de si próprio. Suas mãos, seus olhos, seu ouvido, seu coração são o que ele está estudando. Visto desse modo, representar é um trabalho que dura uma vida – passo a passo o ator aumenta o seu conhecimento de si mesmo, através do penoso trabalho de ensaio que está em constante mudança de circunstâncias, através dos tremendos pontos de pontuação da representação. A auto-penetração através do papel é relacionada à coragem de se expor: o ator não hesita em se mostrar exatamente como é, pois reconhece que o segredo do papel exige que ele se abra, mostrando seus próprios segredos. Assim, o ato de representação é um ato de sacrifício, de sacrificar o que a maioria dos homens prefere esconder – este sacrifício é uma dádiva para o espectador. (…) ESSE TEATRO É SAGRADO PORQUE SUA INTENÇÃO É SAGRADA. O teatro de GROTOWSKY é o que mais se próxima do ideal de ARTAUD. É um meio de vida completo para todos os seus membros, portanto está em contraste com a maioria dos outros grupos. (…) Grotowsky faz da pobreza um ideal, seus atores sacrificam tudo, exceto o próprio corpo, eles tem instrumento humano e tempo ilimitado – não é de admirar que eles se sintam o teatro mais rico do mundo.
(…) O DIRETOR estimula um fluxo de riqueza interior do ator que transformaria completamente a natureza subjetiva do seu impulso original.
(…) O modelo como sempre é SHAKESPEARE: Seu alvo é continuamente sagrado, o metafísico, entretanto ele nunca comete o erro de se demorar muito no plano mais elevado. Ele sabia como nos é difícil ficar em companhia do absoluto – portanto, continuamente, nos joga de volta a terra – e GROTOWSKY reconhece isto quando fala da necessidade de apoteose e zombaria. Temos que aceitar que jamais veremos tudo do invisível. Logo depois de esforçar-nos para alcançá-lo, temos que encarar a derrota, cair por terra e recomeçar.
(…) LIVING THEATRE (formado em NY – EUA): São acima de tudo, uma comunidade; mas eles só são uma comunidade porque têm uma função especial que dá sentido à sua existência comunal. ESTA FUNÇÃO É REPRESENTAR. Sem representar, o grupo murcharia, eles representam porque o ato e o fato de representar correspondem a uma grande necessidade comum. Estão em busca de um significado para suas vidas, e num certo sentido mesmo que não houvesse público nenhum, ainda teriam que representar, porque o acontecimento teatral é o ápice e o centro de sua busca. Entretanto, sem público, suas representações perderiam sua substância – O PÚBLICO É SEMPRE UM DESAFIO, SEM O QUAL UMA REPRESENTAÇÃO SERIA HIPOCRISIA. No Living Theatre três necessidades se torna uma: *ele existe para representar *ganha a vida através das representações *suas representações contém os momentos mais intensos e íntimos de sua via coletiva.
(…) NO TEATRO, HÁ SÉCULOS A TENDÊNCIA TEM SIDO DE COLOCAR O ATOR NUMA DISTÂNCIA REMOTA, NUMA PLATAFORMA, EMOLDURADO, DECORADO, ILUMINADO, PINTADO, COM SAPATOS ALTOS – PARA CONVENCER O IGNORANTE DE QUE ELE É SAGRADO, DE QUE SUA ARTE É SACRA. ERA VENERAÇÃO, OU HAVERIA POR TRÁS DISTO O MEDO DE QUE ALGO SERIA EXPOSTO SE A LUZ FOSSE FORTE DEMAIS OU A DISTÂNCIA PRÓXIMA DEMAIS? HOJE JÁ EXPUSEMOS A TRAPAÇA. MAS ESTAMOS REDESCOBRINDO QUE UM TEATRO SAGRADO É AINDA AQUILO QUE PRECISAMOS. ONDE PROCURÁ-LO? NAS NUVENS OU NA TERRA?”
PETER BROOK