2. EXPLORANDO O PAPEL PARA REVELAR A PERSONAGEM
“Atuar é achar a verdade. Algumas verdades são mais importantes que outras. Algumas verdades ressoam e outras são apenas noções intelectuais. Uma boa atuação é aquela em que uma verdade é intelectualmente e absolutamente inspirada, quando alguma coisa pessoal e transcendental move você. É disso que estamos falando. É a verdade que é importante para você, a verdade que é pessoal de um modo mais profundo.”
KEVIN KLINE
(Obra: The student – Pablo Picasso 1919)
“Análises do Roteiro requerem definições do objetivo da personagem, o que ela quer, em cada cena. Isso motiva a ação dela. Pode haver também vários objetivos menores dentro da cena, que o ator precisa definir em ações que irão levá-lo para o seu objetivo maior. Stanislávski insistia, sobretudo, na necessidade de saber o “superobjetivo” da personagem, seu “objetivo maior vital” na vida ou na peça toda. (…) Apesar do meu grande amor pelo trabalho de Stanislávski. Admiro seu pensamento progressista e radical para aquela época. Ele formulou suas idéias sobre atuação no final do século XIX, quando Tchékhov, Dostoiévski e Strindberg estavam escrevendo e Freud estava à beira de tornar conhecidas suas teorias. Stanislávski desenvolveu sua “técnica especial” em resposta ao estilo de atuação comum à época, que era todo de elegância nos movimentos, na elocução e uma excessiva exposição dramática das emoções da personagem que nem sequer resvalava na sinceridade. Stanisláviski diz:
“Não se pode criar de maneira subconsciente e com inspiração. Não existe esse gênio no mundo. No entanto, nossa arte nos ensina a criar consciente e corretamente, porque assim você vai preparar melhor o caminho para o florescimento do subconsciente, que é a inspiração.
Quanto mais você tiver momentos criativos conscientes no seu papel, maior chance poderá ter de uma inspiração.”
(Obra: Salvador Dali by Philippe Halsman, 1954)
Trabalhei muito com a técnica de Stanislávski para achar as emoções que eu precisava, para preencher a personagem, mas ela não funcionava para mim. Empurrava-me para fora de minha verdadeira e livre reação ao texto e ao momento. Ao favorecer mais a memória do que a imaginação, a conexão com meus pensamentos inconscientes, minhas imagens e fantasias foi fechada. Usando a técnica , sempre me sentia fora da conexão íntima do momento do palco ou do set. Aquilo me tirava de cena. Sentia-me como se estivesse no meu próprio mundo, à parte da peça e de tudo ao meu redor. E a emoção nunca ficava livre. Eu estava atuando. Mas quando rejeitei a análise técnica, vi que minha imaginação estava solta, plena, disponível de novo e, surpreendentemente, as minhas emoções também, sem trabalhos prolongados de memória emotiva. Eram inspirados momento a momento em que a frase era dita, só usando a intuição e o texto. O melhor de tudo, minha conexão com as palavras que eu proferia era natural, fácil e estimulante. (…)
Acho que para a maioria dos atores, o trabalho se processa de uma forma oposta ao “método”: se o ator acessa primeiro o subconsciente, por meio de uma reação sem censura às palavras da personagem, ele se inspira para explorá-la de uma forma criativa e surpreendente. Acho que é quase impossível para um ator “criar primeiro conscientemente.” Na verdade, nos momentos mais conscientes do ator, ele têm menor chance de experimentar uma inspiração. Toda vez que pensamos certinho, nossa intuição desaparece. Não temos sentimentos da forma que vemos a personagem. (…)
(Obra: “Woman with Dog Under a Tree,” Pablo Picasso)
Não vejo a concepção de uma personagem como uma coisa finita. Ela não é uma figura pintada que decidimos durante os ensaios e apresentamos como um produto final para a platéia. (…) As falas sairão por nossas bocas. Queremos que a platéia se perca no que estamos falando e fazendo, e que não fique julgando de fora se o ator está fazendo bem ou não a personagem. (…) Mas o ator não tem de ter essa mesma responsabilidade pela personagem. A forma com que a ação e as falas vão de uma fala para outra, de uma ação para outra, cria uma personagem. As reações do ator ficam fragmentadas, mudando de momento a momento e a cada ensaio. Elas chegam juntas como personagem somente para a platéia. Assim como as falas e a ação, a história se desenvolve diante dela, num espetáculo. Isso não é o ator. Os momentos são o ator. A personagem é o texto. (…) Como atores, estamos sempre procurando a verdade, a verdade da personagem, do roteiro, de nós mesmos.
Não me preocupo com a consistência, me permito reagir momento a momento, pedaço por pedaço, a cada fala e ação da personagem. Portanto, deixo minhas reações me levarem para onde quiserem, errando, jogando fora, até algumas escolhas começarem a se repetir por si só. Então eu sei que está acontecendo alguma coisa. Mas não tento juntar a personagem. Eu a deixo em pedaços. O roteiro e a história juntam-na, assim cada momento meu parece uma tomada criativa da personagem.”
RESUMO DO LIVRO PARAR DE ATUAR DE HAROL GUSKIN
Beijinhos