1. TIRANDO DA PÁGINA
“Do ponto de vista convencional, o trabalho do ator na criação de uma personagem começa lendo o roteiro pra si mesmo, então se discute a personagem e o texto com o diretor. O problema desse método é que, desde o começo do processo, o ator fica fora do roteiro e fora da personagem. E ficar fora do roteiro e da personagem significa que o ator está completamente fora de si mesmo, fora de sua intuição, dos sentimentos, da imaginação; fora da fantasia necessária para conceber criativamente uma personagem.
Isso acontece porque ler um roteiro é um processo intelectual, que inevitavelmente conduz o ator a ter um olhar analítico do roteiro e da personagem, conforme nos foi ensinado na escola. (…) De fato, a análise faz com que o ator fique com medo de confiar em sua intuição. (…) Os atores não são bons em análise, apesar de a maioria dos bons atores ser muito inteligente. A análise tem de ser deixada para os acadêmicos e críticos. Atores sabem sobre sentimentos, imaginação e improvisação. Eles são bons em se transformar em outras pessoas. Sua intuição é seu talento. Quanto mais eles confiam em sua intuição, mais inesperada e inspiradora fica a sua performance. É aí que eles nos surpreendem. É isso que a platéia quer ver.
Não é que o intelecto não seja importante. Só não é onde o trabalho do ator começa. Acredito que o verdadeiro trabalho de interpretação só começa quando o ator efetivamente verbaliza as palavras de sua personagem. (…) É assim,: o ator olha o texto no papel, lê a frase para si mesmo, inspirando e expirando para que ela entre na sua cabeça. Aí, ele tira os olhos do papel e fala, a frase, não mais lendo nas falando. É importante respirar quando você lê a frase, isso permite acessar pensamentos inconscientes, evocar imagens. Pode vir qualquer coisa, uma coisa trivial, simples, profunda, ou aparentemente sem nada a ver; o importante é que a reação seja a do momento e não a que você acha que seria a mais apropriada. (…) Mais coragem é necessária para evitar um sentimento falso, simplesmente para agradar os outros. (…) A não reação torna tudo mais perigoso, surpreendente. Não sabemos o que se pode fazer na fala seguinte. Isso faz o ator ser muito mais interessante. (…) Aceitando isso e permitindo se fazer isso, ele fica disponível para as reações surpreendentes e imprevisíveis que acontecem. (…) Fazendo isso, ou seja, fazendo nada, permitiu que a verdade daquele momento surgisse de uma forma poderosa.
Quero que o ator chegue para a primeira leitura sem decisões sobre a personagem. Quero que a primeira leitura seja uma exploração aberta, sem crítica, que permita que o ator comece o processo de descoberta da personagem e dele mesmo junto com o texto. Quero que ele simplesmente tire as frases do texto, conectando-se pessoalmente com suas falas e ouvindo o texto da outra personagem. Para ouvir, o ator não deve ler as frases do outro ator. Ele estará lendo, não estará ouvindo. (…) Escutar é fundamental para haver uma reação verdadeira. Solicitei à um ator que estava com dificuldades em “tirar da página”, por ser muito racional, para fazer a mesma coisa. Primeiro, ele olhou para o texto, deixou a fala entrar nele, inspirando e expirando. Então o persuadi a fiscalizar a imagem para si mesmo, de tal maneira que ele pudesse quase tocá-la. Depois de tê-la fisicalizado, ele dizia a fala. Não importa se a fiscalização fica babaca ou não. Não é a cena. E depois que o ator a tiver feito, ele não precisa fazer de novo.
Na verdade, na cena o ator pode simplesmente não se mover. Essa fisicalização para o ator é importante para que ele sinta a imagem no seu corpo, para poder dizer a frase com as palavras do autor. Quando ele tira a palavra de seu corpo, está livre para repetir a experiência ou não, fica a seu critério. (…) É mais importante saber o que faz você se sentir livre do que saber o que está certo. É a sensação do livre arbítrio que perseguimos, não importa o que funciona ou para onde estamos indo, mas, sim, a sensação de liberdade para testar nossas asas e fazer o que der na telha com a próxima fala. (…) Se você está se chateando com seu trabalho, com o monólogo, tente o seguinte: faça o monólogo todo, do início ao fim, de cinco formas diferentes: com humor, com verdade, com raiva, com ternura, com orgulho, se vangloriando. Finalmente, depois de explorar o monólogo em cada uma dessas formas, faca do jeito que sair. Você pode se surpreender com reações inteiramente diferentes.”
RESUMO DO LIVRO PARAR DE ATUAR DE HAROL GUSKIN
Beijinhos