PARAR DE ATUAR II – HAROLD GUSKIN

1. TIRANDO DA PÁGINA

“Do ponto de vista convencional, o trabalho do ator na criação de uma personagem começa lendo o roteiro pra si mesmo, então se discute a personagem e o texto com o diretor. O problema desse método é que, desde o começo do processo, o ator fica fora do roteiro e fora da personagem. E ficar fora do roteiro e da personagem significa que o ator está completamente fora de si mesmo, fora de sua intuição, dos sentimentos, da imaginação; fora da fantasia necessária para conceber criativamente uma personagem.

Isso acontece porque ler um roteiro é um processo intelectual, que inevitavelmente conduz o ator a ter um olhar analítico do roteiro e da personagem, conforme nos foi ensinado na escola. (…) De fato, a análise faz com que o ator fique com medo de confiar em sua intuição. (…)  Os atores não são bons em análise, apesar de a maioria dos bons atores ser muito inteligente. A análise tem de ser deixada para os acadêmicos e críticos. Atores sabem sobre sentimentos, imaginação e improvisação. Eles são bons em se transformar em outras pessoas. Sua intuição é seu talento. Quanto mais eles confiam em sua intuição, mais inesperada e inspiradora fica a sua performance. É aí que eles nos surpreendem. É isso que a platéia quer ver.

Não é que o intelecto não seja importante. Só não é onde o trabalho do ator começa. Acredito que o verdadeiro trabalho de interpretação só começa quando o ator efetivamente verbaliza as palavras de sua personagem. (…)  É assim,: o ator olha o texto no papel, lê a frase para si mesmo, inspirando e expirando para que ela entre na sua cabeça. Aí, ele tira os olhos do papel e fala, a frase, não mais lendo nas falando. É importante respirar quando você lê a frase, isso permite acessar pensamentos inconscientes, evocar imagens. Pode vir qualquer coisa, uma coisa trivial, simples, profunda, ou aparentemente sem nada a ver; o importante é que a reação seja a do momento e não a que você acha que seria a mais apropriada. (…) Mais coragem é necessária para evitar um sentimento falso, simplesmente para agradar os outros. (…) A não reação torna tudo mais perigoso, surpreendente. Não sabemos o que se pode fazer na fala seguinte. Isso faz o ator ser muito mais interessante. (…) Aceitando isso e permitindo se fazer isso, ele fica disponível para as reações surpreendentes e imprevisíveis que acontecem.  (…) Fazendo isso, ou seja, fazendo nada, permitiu que a verdade daquele momento surgisse de uma forma poderosa.

(Crédito: sølve sundsbø & digital light ltd | vogue italia september 2013)

Quero que o ator chegue para a primeira leitura sem decisões sobre a personagem. Quero que a primeira leitura seja uma exploração aberta, sem crítica, que permita que o ator comece o processo de descoberta da personagem e dele mesmo junto com o texto. Quero que ele simplesmente tire as frases do texto, conectando-se pessoalmente com suas falas e ouvindo o texto da outra personagem. Para ouvir, o ator não deve ler as frases do outro ator. Ele estará lendo, não estará ouvindo. (…) Escutar é fundamental para haver uma reação verdadeira. Solicitei à um ator que estava com dificuldades em “tirar da página”, por ser muito racional, para fazer a mesma coisa. Primeiro, ele olhou para o texto, deixou a fala entrar nele, inspirando e expirando. Então o persuadi a fiscalizar a imagem para si mesmo, de tal maneira que ele pudesse quase tocá-la. Depois de tê-la fisicalizado, ele dizia a fala. Não importa se a fiscalização fica babaca ou não. Não é a cena. E depois que o ator a tiver feito, ele não precisa fazer de novo.

Na verdade, na cena o ator pode simplesmente não se mover. Essa fisicalização para o ator é importante para que ele sinta a imagem no seu corpo, para poder dizer a frase com as palavras do autor. Quando ele tira a palavra de seu corpo, está livre para repetir a experiência ou não, fica a seu critério. (…) É mais importante saber o que faz você se sentir livre do que saber o que está certo. É a sensação do livre arbítrio que perseguimos, não importa o que funciona ou para onde estamos indo, mas, sim, a sensação de liberdade para testar nossas asas e fazer o que der na telha com a próxima fala. (…) Se você está se chateando com seu trabalho, com o monólogo, tente o seguinte: faça o monólogo todo, do início ao fim, de cinco formas diferentes: com humor, com verdade, com raiva, com ternura, com orgulho, se vangloriando. Finalmente, depois de explorar o monólogo em cada uma dessas formas, faca do jeito que sair. Você pode se surpreender com reações inteiramente diferentes.”

RESUMO DO LIVRO PARAR DE ATUAR DE HAROL GUSKIN

 Beijinhos

Postado por:

Maytê Piragibe