PARA O ATOR – MICHAEL CHEKHOV

“O elaboradíssimo sistema de Chekhov foi concebido para os atores do Ocidente, que sempre lutaram com a exiguidade do tempo, sobretudo os colegas americanos, que atuam na Brodway e em Hollywood. O sistema aqui discutido e baseado no ainda atual método de Stanislavski é de fundamental importância, mesmo quando você disponha de apenas um mês para estreiar uma comédia ou uma longa tragédia de Shakespeare. (…) Como se não bastasse, o livro de Michael Chekhov acaba por questionar as nossas concepções éticas e estéticas, independente do fato de sermos profissionais da arte dramática ou não. Nesse ponto é obra indispensável a todos que trabalham no campo da criação. JUCA DE OLIVEIRA

Quando se é pianista, conta-se com um instrumento exterior que se pode aprender a dominar através do trabalho dos dedos e de exercícios árduos, e com isso o artista criativo pode executar e expressar a sua arte. Nós, porém, como atores, temos que trabalhar com o instrumento mais difícil de dominar, isto é, o nosso próprio eu – o nosso ser físico e o nosso emocional. É daí, creio, que decorre toda confusão das diferentes escolas de arte dramática e é por isso que o seu manuscrito, que tenho diante de mim, vale mais do que seu peso em ouro para todos os atores – na verdade, acredito que para todos os artistas criativos. YUL BRYNNER

A técnica de qualquer arte é, por vezes, suscetível a abafar, por assim dizer, a centelha da inspiração num artista medíocre, mas a mesma técnica nas mãos de um mestre pode avivar a centelha e convertê-la numa chama inextinguível. JOSSEL JASSER

CAPÍTULO 1 – CORPO E PSICOLOGIA DO ATOR

Existem atores que podem sentir seus papéis profundamente, compreendê-los com uma limpidez cristalina, mas são incapazes de expressar e transmitir a uma platéia essa riqueza interior. Esses maravilhosos pensamentos e emoções estão como que acorrentados, de algum modo, dentro de seus corpos subdesenvolvidos. O processo de ensaiar e de atuar é, para eles, uma batalha dolorosa contra sua própria “carne demasiado sólida”, como disse Hamlet. Mas não é o caso para ficar consternado. Todo ator, em maior ou menor grau, sofre alguma resistência por parte do seu corpo. (…) Em primeiro lugar e acima de tudo, está a extrema SENSIBILIDADE do corpo para os IMPULSOS CRIATIVOS PSICOLÓGICOS. Isso não pode ser conseguido por exercícios estritamente físicos. A própria psicologia deve tomar parte em tal desenvolvimento. O corpo de um ator deve absorver qualidades psicológicas, deve ser por ela impregnados, de modo que o convertam gradualmente numa membrana sensitiva, numa espécie de receptor e condutor de imagens, sentimentos, emoções e impulsos volitivos de extrema sutileza. (…) Sob a influência de conceitos materialistas, o ator contemporâneo é constantemente, por necessidade pura e simples, induzido à prática perigosa de eliminar os elementos psicológicos de sua arte e de superestimar o significado do físico. (…) O ator começa recorrendo a toda sorte de truques e clichês teatrais, e não tarda a acumular um grande número de hábitos peculiares de atuação e maneirismos corporais; mas, por muito bons ou maus que sejam ou aparentam ser, eles são apenas um substituto de seus reais sentimentos e emoções artísticas, da autêntica excitação criativa do palco. (…) São perigosamente propensos a esquecer que verdadeira tarefa do artista criativo não é meramente copiar a aparência exterior da vida, mas INTERPRETAR a vida em todas as sua facetas e profundidade, mostrar o que está por trás dos fenômenos da vida, deixar que o espectador olhe mais além das superfícies e dos significados da vida. Pois não é o artista, o ator, em seu sentido mais verdadeiro e mais autêntico, um ser dotado da capacidade de ver e vivenciar coisas que são obscuras para a pessoa comum? E não é sua missão real , seu jubiloso instinto, transmitir ao espectador, como uma espécie de revelação, SUAS IMPRESSÕES muito pessoais de coisas tal como ele vê e sente? Entretanto, como o ator pode fazer isso se seu corpo está acorrentado e limitado, em sua expressividade, pelas forças de influências inartísticas e não-criativas? (…) O pensamento frio, analítico, materialista tende a sufocar o impulso da imaginação. Pois o corpo do ator deve ser moldado e recriado a partir de dentro. (…) O ator conseguirá isso se ampliar constantemente o círculo de seus interesses.

Deve tentar vivenciar ou assumir a psicologia de pessoas de outras eras, lendo peças de época, romances históricos ou mesmo a própria história. Enquanto faz isso, tentará penetrar no pensamento dessas pessoas e personagens, sem lhes impor seus modernos pontos de vista, conceitos morais, princípios sociais ou qualquer outra coisa que seja de opinião pessoal. Tentará compreendê-las através do modo de vida DELAS e das circunstâncias em que existiram. Rejeitará a noção dogmática e enganadora de que a personalidade humana nunca muda, mas permanece a mesma através dos tempos e em todas as idades.”

RESUMO DO LIVRO “PARA O ATOR” MICHAEL CHEKHOV

(Crédito da foto: Carol Beiriz)

“(…) O ator deve tentar penetrar na psicologia de diferentes nações; tentar definir suas características específicas, seus traços psicológicos dominantes, suas idiossincrasias, seu interesses e sua arte. Pôr a claro as principais diferenças que distinguem entre si essas noções. Além disso, esforçar-se-á por penetrar na psicologia de pessoas à sua volta e em relação às quais não sente simpatia. Tentará descobrir nelas algumas qualidades boas, positivas, que talvez não tenha notado antes. Faça uma tentativa de vivenciar o que elas vivenciam; pergunte a si mesmo por que elas elas sentem ou agem do modo que fazem.

Mantenha-se objetivo e ampliará imensamente a sua própria psicologia. Todas essas experiências indiretas fundarão, pelo seu próprio peso, em seu corpo, tornando-o mais sensível, mais nobre e flexível. E a sua capacidade para penetrar na vida interior das personagens que está estudando profissionalmente se tornará mais aguçada, mais nítida. Começará por descobrir primeiro esse inexaurível fundo de originalidade, inventiva e engenho que, como ator, é capaz de exibir. Estará apto a captar em suas personagens aquelas características sutis mais fugidias que ninguém mais, senão o ator, pode ver, e por conseguinte, revelar a seu público. E, se além das sugestões acima adquirir o hábito de suprimir toda crítica desnecessária, seja na vida, ou no seu trabalho profissional, estará acelerando consideravelmente o seu desenvolvimento.

O terceiro requisito é a COMPLETA OBEDIÊNCIA DO CORPO E DA PSICOLOGIA DO ATOR. O ator que se tornar absoluto de si mesmo e de seu ofício banirá o elemento de “acidente “de sua profissão e criará uma base sólida para seu talento. Somente um comando indiscutível de seu corpo e psicologia lhe dará a necessária autoconfiança, liberdade e harmonia para a sua criatividade. Pois na moderna vida cotidiana  não fazemos uso suficiente ou apropriado de nossos corpos e , em conseqüência, a maioria de nossos músculos se torna fraca, sem flexibilidade, insensível. Eles devem se reativados para que não lhes falte elasticidade. O método sugerido neste livro leva-nos a realização desse terceiro requisito. (…)”

RESUMO DO LIVRO “PARA O ATOR” MICHAEL CHEKHOV

Crédito da foto: André Nicolau

“Desenvoltura, forma, beleza e integridade. Seu corpo deve tornar-se uma peça de arte em si mesmo, deve adquirir essas quatro qualidades, deve vivenciá-las interiormente.

Desenvoltura – enquanto se representa, os movimentos pesados e a fala inflexível são capazes de deprimir e até de repelir uma platéia. (…) É a leveza do toque que mais do que qualquer outra coisa faz o artista, disse Edward Eggleston. Por outras palavras, a personagem no palco pode ser pesada , canhestra nos movimentos e inarticulada na fala; mas aquele que a interpreta, como artista, deve sempre usar a leveza e desenvoltura. Nunca se confundirão as qualidades da personagem com as do próprio intérprete como artista, se este tiver aprendido a distinguir entre o que representa (o tema, a personagem) e como fazê-lo (o modo, a maneira de representar). (…)

Beleza – antes de começar a exercitar-se na beleza, o ator deve pensar nela como sendo dotada de aspectos bons e maus, certos e errados, pertinentes e inadequados. Pois a beleza, como todas as coisas positivas, tem seus lados sombrios. A verdadeira beleza tem suas raízes no íntimo do ser humano, ao passo que a falsa beleza está apenas no exterior. O “exibicionismo” é o lado negativo da beleza, assim como o sentimentalismo, a doçura, a egolatria e outras vaidades tais. Um ator que desenvolve um senso de beleza simplesmente para comprazer-se, para seu próprio deleite, cria apenas uma aparência enganosa, um brilho superficial, um frágil verniz. Sua finalidade deve ser adquirir esse senso unicamente para sua arte. Se for capaz de extrair seu senso de beleza o ferrão do egoísmo, estará fora de perigo.

Integridade – o ator que representa seu papel como tantos momentos separados e sem relação entre cada entrada e saída, sem levar em conta o que fez em suas cenas prévias e o que estará fazendo nas cenas seguintes, jamais entenderá ou interpretará seu papel como um todo ou em sua integridade. O malogro ou a incapacidade para relacionar uma parte com o todo poderá tornar o papel inarmonioso e incompreensível ao espectador.

(…) A capacidade para avaliar os detalhes dentro do papel como um todo bem integrado habilitará também o ator a interpretar cada um desses detalhes como pequenas entidades que se combinam harmoniosamente numa integridade abrangente. Que novas qualidades sua interpretação obterá em virtude desse sentimento de integridade? Enfatizará intuitivamente os aspectos essenciais de sua personagem e seguirá a principal linha de acontecimentos, assim retendo com firmeza a atenção tornar-se-á mais poderosa. Também o ajudará desde o começo a apreender sua personagem sem muitas vacilações.

(…) Irradiar no palco significa dar, transmitir a outrem. Sua contraparte é receber. A verdadeira atuação é um constante intercâmbio de ambas as coisas. Não existem momentos no palco em que um ator possa permitir-se – ou melhor, permitir à sua personagem – manter-se passivo nesse sentido sem correr o risco de enfraquecer a atenção do público e de criar a sensação de um vácuo psicológico.

(…) No que se refere a como a recepção deve ser executada e sentida, o ator deve ter em mente o fato de que se trata de algo mais do que meramente uma questão de olhar e ouvir no palco. Receber realmente significa atrair para o nosso próprio eu, com o máximo de poder interior, as coisas, pessoas ou eventos da situação. Mesmo que seus parceiros não conheçam esta técnica, o ator nunca deve, a bem de seu próprio desempenho, parar de receber deles sempre que decida fazê-lo. Descobrirá que seus próprios esforços despertarão intuitivamente os outros atores e os inspirarão para que colaborem.

(…) O ator pode aumentar seu vigor interior, desenvolver suas aptidões para irradiar e receber, adquirir um sutil sentido de forma, enriquecer seus sentimentos de liberdade,desenvoltura, calma e beleza, vivenciar o significado de seu ser interior e aprender as ver as coisas e os processos em sua integridade.”

RESUMO DO LIVRO “PARA O ATOR – MICHAEL CHEKHOV

Postado por:

Maytê Piragibe