CAPITULO 7 – INDIVIDUALIDADE CRIATIVA
PARA CRIAR POR INSPIRAÇÃO DEVEMOS ADQUIRIR CONSCIÊNCIA DE NOSSA PRÓPRIA INDIVIDUALIDADE.
“Tem sido reiterado que Shakespeare criou unicamente um Hamlet. Mas quem dirá com igual certeza que espécie de Hamlet existiu na imaginação de Shakespeare? Na verdade, existem, devem existir, tantos Hamlets quantos atores talentosos e inspirados que se incumbem de expressar suas concepções da personagem. A individualidade criativa de cada um determinara’ invariavelmente o seu próprio e único Hamlet. Pois o ator que deseja ser um artista no palco deve, com modéstia mas com audácia, lutar por uma interpretação individualista de seus papeis. Mas como e’ que ele vivencia essa individualidade criativa em momentos de inspiração?
Mudanças consideráveis que o ator não pode impedir-se de vivenciar tem lugar em sua consciência, sob influencia desse poderoso alter ego, o outro eu. É um eu de nível superior; enriquece e expande a consciência. O ator começa por distinguir três diferentes seres, por assim dizer, dentro de si mesmo. Cada um deles tem caráter definido, cumpre uma tarefa especial e e’ comparativamente esses seres e sus funções particulares.
Ao mesmo tempo que incorpora a sua personagem no palco, o ator usa suas próprias emoções, sua voz e seu corpo móvel. Estes são os elementos que constituem o “material de construção” a partir dos quais o eu superior, o verdadeiro artista que existe no ator , cria uma personagem para o palco. O eu superior toma simplesmente posse desse material de construção, Logo que isso acontece, o ator começa sentindo-se como que separado, ou melhor, acima do material e, por conseguinte, acima do seu cotidiano. Isso ocorre por que ele se identifica agora com esse eu superior, criativo, que se tornou ativo. Está agora consciente de que , simultaneamente, lado a lado, existem nele o eu expandido e o “eu” usual, cotidiano. Enquanto está criando, o ator e’ dois “eus” e está apto a distinguir claramente entre as diferentes funções que eles preenchem.
Uma vez na plena posse desse material de construção, o eu superior começa a molda’-lo a partir de dentro; movimenta o corpo do ator, tornando-o flexível, sensível e receptivo a todos os impulsos criativos; fala com a voz dele, instiga-lhe a imaginação e aumenta sua atividade interior.
Além disso, propicia-lhe sentimentos genuínos, tornando-o original e inventivo, desperta e mantém sua capacidade para improvisar. Em resumo, coloca o ator num estado criativo. Você começa atuando sob a inspiração desse estado. Tudo o que faz no palco surpreende nao só a você mas ao seu público também; tudo parece inteiramente novo e inesperado. A sua impressão é que esta acontecendo espontaneamente e que você nada faz senão servir como veiculo de expressão dessa criatividade.
E, no entanto, embora o seu eu superior seja suficientemente forte pra comandar todo o processo criativo, ele não deixa de ter o seu calcanhar de Aquiles: é propenso romper as fronteiras, a transpor os necessários limites fixados durante os ensaios. Está ansioso por expressar-se e por expressar sua idéia dominante; é excessivamente livre, poderoso e engenhoso e, portanto, está demasiado próximo do precipício do caos. O poder de inspiração é sempre mais intenso do que o meio de expressão, disse Dostoiévski. Necessita de restrições.”
RESUMO DO LIVRO “PARA O ATOR” DE MICHAEL CHEKHOV