PARA O ATOR – MICHAEL CHEKHOV V

“A ALMA DESEJA HABITAR NO CORPO PORQUE, SEM OS MEMBROS DO CORPO, ELA NÃO PODE AGIR NEM SENTIR.”

LEONARDO DA VINCI

CAPÍTULO 5: O GESTO PSICOLÓGICO

Nas qualidades e sensações encontramos a chave para o tesouro de nossos sentimentos. Mas existirá tal chave para a nossa força de vontade?

Sim, e encontramo-la no movimento (açãogesto).

Você pode facilmente provar isso para si mesmo tentando fazer um gesto forte, bem delineado, mas simples. Repita-o várias vezes e verá que, após um certo tempo, a força de vontade torna-se cada vez mais forte sob a influência desse gesto. Além disso, descobrirá que a espécie de movimento que fizer dará à sua força de vontade uma certa direção ou inclinação.

Ou seja, despertará e animará em você um definido desejo ou necessidade.

Crédito das fotos: Carol Beiriz

ASSIM PODEMOS DIZER QUE O VIGOR DO MOVIMENTO INSTIGA A NOSSA FORÇA DE VONTADE EM GERAL. QUE A ESPÉCIE DE MOVIMENTO DESPERTA EM NÓS UM DEFINIDO DESEJO CORRESPONDENTE, E QUE A QUALIDADE DESSE MESMO MOVIMENTO EVOCA OS NOSSOS SENTIMENTOS.

Há uma peça teatral escrita, que você tem diante dos olhos, com o papel que lhe foi destinado nela. Por enquanto é apenas uma obra literária inanimada. É sua tarefa e de seus companheiros de elenco transformá-la numa obra teatral viva e cênica. Que terá que fazer para cumprir essa tarefa? (…) Talvez note que, quanto mais a sua mente “conhece” a respeito da personagem, menos você está apto para representá-la no palco. Isso é uma lei psicológica. Talvez você saiba muito bem quais são os sentimentos e desejos de sua personagem, mas esse conhecimento, por si só, não o habilita a satisfazer verdadeiramente os desejos ou vivenciar sinceramente os sentimentos dela no palco. (…) É claro, sua mente pode ser e será muito útil para que você avalie, corrija, verifique, faça aditamentos e ofereça sugestões; entretanto, ela não fará disso antes que sua intuição se tenha afirmado e falado plenamente. Isso não quer dizer que, em absoluto, que a razão (ou o intelecto) seja posta de lado na preparação do papel, mas é uma advertência para que não recorra a ela, não deposite nela suas esperanças e para que, no início, ela seja mantida no background, de modo que não obstrua nem dificulte os esforços criativos. Mas, se escolher um outro método, mais produtivo, se aplicar o gesto psicológico a fim de estudar a sua personagem, estará recorrendo diretamente às suas forças criativas e não se tornará um ator “livresco” ou um que se limita a “papaguear” seu papel mecanicamente. Sua sólida intuição, imaginação criativa e visão artística lhe proporcionam sempre alguma idéia, pelo menos, do que é a sua personagem, mesmo nos primeiros contatos com ela. Pode ser apenas uma conjetura, um palpite, mas você pode confiar nele e usá-lo como trampolim para a sua primeira tentativa de construção do GESTO PSICOLÓGICO. Pergunte a si mesmo qual poderá ser o principal desejo da personagem, e quando obtiver uma resposta, mesmo que tão somente uma sugestão, comece construindo seu GP passo a passo, usando primeiro a mão e o braço. Ao usar o GP como um meio de exploração da personagem, você faz realmente mais do que isso. Na verdade, prepara-se para interpretá-la. Elaborando, melhorando, aperfeiçoando e exercitando o GP, ao mesmo tempo você está se tornando cada vez mais própria do personagem. Sua vontade, seus sentimentos são instigados e despertos em seu íntimo. Quanto mais progredir nesse trabalho, mais o GP lhe revela a personagem inteira em forma condensada, fazendo de você o detentor e o senhor de seu núcleo imutável.

Assumir um GP significa, portanto, preparar o papel inteiro em sua essência, após o que se tornará uma fácil tarefa elaborar todos os detalhes nos ensaios realizados no palco. Não terá que vacilar e tatear o caminho, como freqüentemente acontece quando o ator começa vestindo um papel com carne, sangue e nervos, sem ter descoberto primeiro sua coluna vertebral. O GP fornece-lhe justamente essa coluna vertebral. A única pergunta que o ator pode permitir-se a esse respeito é se executou o GP corretamente ou não; isto é, se observou todas as condições necessárias para tal gesto. Investiguemos essas condições.

Existem duas espécies de gestos. Uma que usamos tanto quanto atuamos no palco como na vida cotidiana: são gestos naturais e usuais. A outra espécie consiste no que poderíamos chamar de gestos arquetípicos, aqueles que servem como modelo original para todos os gestos possíveis da mesma espécie. O GP pertence a este segundo tipo. Os gestos cotidianos são incapazes de investigar a nossa vontade porque são excessivamente limitados, fracos demais e particularizados. Não ocupam todo o nosso corpo, psicologia e alma, ao passo que o GP, como arquétipo, apossa-se deles inteiramente.

Um verdadeiro gesto psicológico (GP) assemelha-se aos largos traços a carvão na tela de um artista, antes deste começar a elaborar os detalhes. É, repetimos, o esqueleto em torno do qual será edificada toda a complicada construção arquitetal da personagem. O GP deve ainda ter uma forma muito clara e definida. Qualquer imprecisão nele existente deve provar ao ator que ainda não é essência, no cerne da psicologia da personagem que ele está trabalhando. A nossa concepção usual de ritmo no palco não faz nenhuma distinção entre as variedades interior e exterior. O ritmo interior deve ser definido como uma rápida ou lenta mudança de pensamentos, imagens, sentimentos, impulsos volitivos, etc. O ritmo exterior expressa-se em ações e falas rápidas ou lentas. Ritmos interiores e exteriores contrastantes podem apresentar-se simultaneamente no palco. Por exemplo, uma pessoa pode esperar algo ou alguém impacientemente, as imagens em sua mente desenrolam-se em rápida sucessão, pensamentos e desejos acendem-se-lhe no espírito, perseguindo-se uns aos outros, expulsando-se mutualmente, aparecendo e desaparecendo; sua vontade é excitada ao máximo; e, no entanto, ao mesmo tempo, a pessoa pode controlar-se de modo que seu comportamento exterior, seus movimentos e fala permaneçam calmos e em ritmo lento. Um ritmo lento exterior pode desenvolver-se concorrentemente com um ritmo interior leve e vice-versa. O efeito de dois ritmos contrastantes desenvolvendo-se simultaneamente no palco produz inevitavelmente uma forte impressão no público. Não se deve confundir ritmo lento com passividade ou falta de energia no próprio ator. Seja qual for o ritmo lento que você use no palco, o seu eu como artista deve ser sempre ativo. Por outro lado, o ritmo rápido de sua performance não deve converter-se em pressa óbvia nem numa desnecessária tensão psicológica e física. Um corpo flexível, bem treinado e obediente em uma boa técnica declamatória ajudam o ator a evitar esse erro e possibilitam a correção e o uso simultâneo de dois ritmos contrastantes.

1. O GP estimula a força de vontade, dá-lhe uma direção definida, desperta sentimentos e oferece-nos uma versão condensada da personagem.

2. O GP deve ser arquetípico, forte, simples e bem formado; deve irradiar e ser desempenhado no ritmo correto.

3. Desenvolva a sensiblidade ao GP.

4. Saiba distinguir entre ritmos interiores e exteriores.

RESUMO DO LIVRO PARA O ATOR DE MICHAEL CHEKHOV

Postado por:

Maytê Piragibe