PARA O ATOR – MICHAEL CHEKHOV VI

CAPÍTULO 6: PERSONAGEM E CARACTERIZAÇÃO

Toda e qualquer arte serve ao propósito de descobrir e revelar novos horizontes de vida e novas facetas nos seres humanos. Um ator não pode dar ao público novas revelações se apenas se mostrar invariavelmente ele mesmo no palco. (…) Assim que delinear essas características e qualidades do seu papel – ou seja, compará-las com as suas próprias, tente imaginar que espécie de corpo uma pessoa preguiçosa e inepta teria. Talvez você ache que ela poderia ter um corpo rechonchudo e atarracado, com ombros caídos, pescoço grosso, longos braços pendentes e uma cabeça grande e macia. (…) Você imaginará que no mesmo espaço que ocupa com seu próprio corpo real existe um outro corpo – o corpo imaginário de sua personagem, que você acabou de criar na sua mente.

Vista-se, por assim dizer, com esse corpo; ponha-o como se fosse um trajo. Qual será o resultado dessa “mascarada”? Pouco depois (ou talvez num abrir e fechar de olhos!), você começará a sentir-se e a pensar-se como uma outra pessoa. Essa experiência é muito semelhante à de uma verdadeira mascarada. Você já notou, na vida cotidiana, como se sente diferente com roupas diferentes? Não é uma outra pessoa quando veste um roupão ou um smoking; quando está dentro de um terno velho e puído ou de um novinho em folha? Mas “vestir o corpo de outro” é mais do qualquer traje ou costume.

Essa adoção da forma física e imaginária da personagem influencia dez vezes mais fortemente a psicologia do ator do que qualquer roupa!

Crédito da foto: André Nicolau

O corpo imaginário situa-se por assim dizer, entre o corpo real e a psicologia do ator, influenciando com igual força um e outra. Passo a passo, começa a movimentar-se, a falar e a sentir de acordo com ele, quer dizer, a sua personagem vive agora dentro de você (ou, se prefere, você habita dentro dela). (…)

Discutir meramente a personagem, analisá-la mentalmente não pode produzir esse desejado efeito, porque a mente racional, por muito ágil que seja, é suscetível de deixar o ator frio e passivo, ao passo que o corpo imaginário tem o poder de recorrer diretamente à sua vontade e sentimentos.

Tente alguns experimentos durante um certo tempo. Coloque um centro macio, caloroso, não pequeno demais, na região do seu abdomem, e poderá sentir uma psicologia que é enfatuada, presunçosa, um tanto grosseira e até jocosa. Coloque um centro minúsculo e duro na ponta do nariz e você se tornará curioso, indagador, bisbilhoteiro e até intrometido. Mude o centro para um de seus olhos e notará com que rapidez parece que você se tornou astuto, ardiloso e até hipócrita. Imagine um centro grande, pesado, apático e desleixado colocado fora dos fundilhos de suas calças e terá uma personagem risível, covarde e não muito honesta. Um centro localizado alguns centímetros adiante de seus olhos ou testa pode invocar a sensação de uma mente penetrante e até sagaz. Um centro caloroso, veemente e mesmo fogoso situado dentro do seu coração pode despertar em você sentimentos heróicos, apaixonados e corajosos. (…) Inúmeras possibilidades se lhe abrirão se realizar experiências desse modo, dentro de um espírito livre e lúdico. Em breve se habituará ao “jogo” e o apreciará tanto pelo divertimento quanto por seu grande valor prático.

Tentemos agora distinguir entre a personagem como um todo e a caracterização ou característica peculiar da personagem. Uma caracterização ou característica peculiar pode ser qualquer coisa inata da personagem: um movimento típico, um modo especial de falar, um hábito recorrente, uma certa maneira de rir, caminhar ou vestir um terno, uma forma insólita de segurar as mãos, uma inclinação singular da cabeça e assim por diante. Essas pequenas peculiaridades são uma espécie de “retoques finais” que um artista aplica à sua criação. Toda personagem parece ganhar mais vida, ser mais humana e verdadeira, assim que é dotada dessas pequenas características peculiares.

O espectador começa gostando e esperando por isso, logo que sua atenção é atraída para esses traços. Mas tal caracterização deve ser um fruto da personagem como um todo, derivada da importante parte de sua composição psicológica. (…)

Enquanto cria uma personagem e uma caracterização para ela, o ator pode encontrar grande ajuda e talvez muitas sugestões inspiradoras observando as pessoas à sua volta.

Mas, a fim de evitar uma mera cópia da vida, eu não recomendaria tais observações antes de ter feito primeiro bom uso de sua própria imaginação criativa. Além disso, a capacidade de observação torna-se mais aguda, mais penetrante quando se sabe exatamente o que se está procurando.

Não há necessidade de descrever aqui, em linhas gerais, quaisquer exercícios especiais. Você poderá criá-los por si mesmo, “jogando” com corpos imaginários e centros móveis e transferíveis e inventando para eles caracterizações adequadas. Será proveitoso se, além do “jogo”, você procurar observar e descobrir onde e que espécie de centro esta ou aquela pessoa possui na vida real.

RESUMO DO LIVRO “PARA O ATOR”DE MICHAEL CHECKOV

Postado por:

Maytê Piragibe